Por que em nossas
bíblias traduz-se em Marcos 9:42-48
o vocábulo grego gehena por inferno? Geena não
significaria
destruição eterna,
em vez de tormento eterno?
Resposta Cristã - A resposta a esta excelente pergunta exigiu
um estudo mais profundo, com várias páginas em word. Espero que no texto a
seguir, possamos estudar juntos o que considerei uma resposta fulminante e
precisa contra os defensores do aniquilacionismo, aqueles que negam a doutrina
das penas eternas por não equilibrarem o amor e a justiça de Deus. Bons
estudos!
INFERNO COMO GEENA E O TEXTO DE MARCOS 9:42-48.
A passagem bíblica de Marcos 9:42-48 reza o seguinte:
“E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora
que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no
mar. E, se tua mão te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na
vida do que, tendo as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível
onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga. E, se teu pé te faz tropeçar,
corta-o; é melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres
lançado no inferno onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga. E, se um
dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares no reino de Deus
com um só dos teus olhos do que, tendo os dois seres lançado no inferno, onde
não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga.” – Almeida Revista e Corrigida.
São observadas nessa passagem três ocorrências da palavra “inferno”.
Todavia, como sabemos, no texto grego original, ocorre a palavra grega “Geena”.
O que ela significava para os ouvintes de Jesus? Por que Jesus fez uso desse
termo?
GEENA – SIGNIFICADO DO TERMO
Poucos leitores do Novo Testamento sabem que a Geena era um lugar
físico, visível, já existente muito tempo antes dos dias de Jesus, que ficava
bem próximo a Jerusalém. Vejamos, como primeira etapa, uma explicação
etimológica do vocábulo Geena, com alguns aspectos históricos e relevantes para
a essa discussão:
“A palavra gehenna não aparece na LXX (Septuaginta) e nem na literatura
grega. É a forma grega do Aramaico gê hinnâm, que, por sua vez, remonta para o
Heb. gê hinnôn. [...] A apocalíptica judaica supunha que este vale se tornaria,
depois do juízo final, o inferno de fogo. (Enoque Et. 90:26-27; 27:1 e segs.;
54:1 e segs.; 56:3, 4. Desta forma, o nome Geena veio a ser aplicado ao inferno
de fogo escatológico de modo geral, mesmo quando já não se localizava em
Jerusalém (e.g. 2 Ed 7:36; Bar. Sir. 59:10; 85:13; Sir 1:103).” – COENEN,
Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. Páginas 1024, 1025. Editora Vida Nova. 2ª. Edição. 2007.
A palavra Geena tem, portanto, suas origens no aramaico e hebraico.
Designava um vale, ou seja, um local visível, literal, mas que posteriormente
passou a significar “inferno”, como agora o concebemos. Por que ocorreu esse
processo metafórico? A resposta está na história, nos fins para os quais este
local era usado antes e durante os dias de Jesus. Para determinar esses fins,
recorreremos a outras obras importantes para estudo teológico. A famosa
Concordância de STRONG assim definiu a palavra Geena:
"Geena" ou "Geena de fogo" traduz-se como inferno,
isto é, o lugar da punição futura. Designava, originalmente, o vale do Hinom,
ao sul de Jerusalém, onde o lixo e os animais mortos da cidade eram jogados e
queimados. É um símbolo apropriado para descrever o perverso e sua destruição
futura.” – CONCORDÂNCIA STRONG. Bíblia Online. Módulo Expandido 3.0. Vocábulo
1067. Novo Testamento.
Aqui, STRONG faz alusão ao Vale de Hinom. Era um local onde se jogava
lixo e entulho, bem como carcaça de animais. Ficava ao sul de Jerusalém. Mas
por que STRONG afirma que Geena é um “símbolo apropriado para descrever o
perverso e sua destruição futura”? Vejamos outras explanações:
“VALE DE HINOM – Este vale circunda Jerusalém na parte sul, abaixo do
monte Sião. Na Bíblia, esse vale é frequentemente mencionado em conexão com os
cruéis ritos a Moloque, que foram imitados pelos reis e pelo povo de Israel.
(Jos. 15:8; 18:16; Nee. 11:30; Jeremias 7:31; 19:2.) Quando Josias derrotou
essa idolatria, ele profanou o vale de Hinom, lançando no mesmo ossos de
mortos, a pior de todas as poluções, entre os Hebreus. Desde então, o lugar
tornou-se uma espécie de monturo, onde sempre havia um lixo queimando e
lançando fumaça. Foi por causa dessa circunstância que apareceu a ilustração da
Geena (em hebraico, vale de Hinom) (ver. Mateus 5:22, 23. Marcos 9:43; João
3:6). De fato, a certa altura da tradição do Hebreus, pensava-se que aquele
lugar seria a própria entrada para o inferno, pois na cosmogonia, julgava-se
que o lugar dos mortos seria no interior do globo terrestre. [...] O vale tinha
má reputação, pois além de ser um monturo, onde eram cremados corpos de
criminosos e queimado o lixo da cidade, etc., segundo certas predições, seria o
lugar de uma futura grande destruição, por juízo divino. Ver Jer. 7:31-34, onde
é chamado de vale da matança.” – CHAMPLIN. R. N.. O Antigo Testamento
Interpretado Versículo Por Versículo. Volume 6. Dicionário A-L. Página 4428.
Editora Hagnos. 2ª. Edição. 2001.
HINON, VALE DE. No alto de Tofete do Vale de Hinom, os pais faziam
passar seus filhos pelo fogo em sacrifício ao deus Moloque. Acaz e Manasses
praticavam essas abominações, 2 Cr 28:3; 33:6. Jeremias profetizou a visita do
Senhor para castigar o povo com a destruição e a morte, de modo que esse vale
se tornou conhecido pelo vale da matança, Jr 7.31-34; 19:2-6; 32.35. Josias
profanou esse lugar para que ninguém sacrificasse seu filho ou filha pelo fogo
a Moloque, 2 Re 23.10. Por causa do fogo que ali ardia, da profanação de Josias
e das imundícias da cidade que eram consumidas pelo fogo, esse vale passou a
servir de emblema do pecado e da maldição. A palavra Ge-hinom, convertida em
Geena, veio designar o lugar dos castigos eternos.” – DAVIS, John. Novo
Dicionário da Bíblia. Ampliado e Atualizado. Página 574. Editora Hagnos.
Setembro de 2005.
Conforme a história atesta, CHAMPLIN e DAVIS corretamente usam o Antigo
Testamento para provar que a Geena, ou o Vale de Hinom, foi usado primariamente
como local de sacrifícios humanos para Moloque. Este era o deus supremo dos
Amonitas, também conhecido como Milcom e Malcã. Conforme Levítico 20:2-5, seu
culto incluía sacrifícios de crianças. Posteriormente, até Salomão se deixou
levar por esse rito profano à adoração de YHWH, conforme narram os textos de 1
Reis 11:5, 7, 33 e 2 Reis 23:10, 13. Todavia, o bom Rei Josias derrotou esse
tipo de idolatria e tornou o uso desse vale de Hinom apenas para receber
carcaças de animais e lixo. CHAMPLIN afirma que se lançavam ossos humanos e se
fazia cremação de criminosos.
Mas o ponto que mais interessa é: Desde os dias de Josias até Jesus e
seus ouvintes, o povo reconhecia aquele local como destinado para a destruição
do que já estava sem vida – lixo, carcaças e corpos de criminosos humanos. Era
um monturo ao sul de Jerusalém, que possuía fogo que não se apagava (no grego,
sempre no indicativo presente “não se apaga”), pois era mantido sempre acesso.
Por isso, CHAMPLIN, comenta a má reputação daquele local e o que ele passou a
simbolizar devido a essa má reputação – a própria entrada para o inferno. Na
opinião de alguns, uma crendice, mas nas palavras de Jesus, um local de
destruição literal atrelado a um significado simbólico de punição eterna,
conforme veremos adiante.
Então, surgem algumas perguntas: Não teria sido, no mínimo ameaçador
para quem está vivo, Jesus avisar que alguns de sua audiência iriam para a
Geena, se o local natural para seus corpos irem, após a morte, seria uma
sepultura? Estaria Jesus querendo dizer apenas que eles seriam, por fim,
destruídos e considerados como lixo para Deus? Evidentemente que não! Jesus não
inventou naquela ocasião, no relato de Marcos 9:42-50, uma nova interpretação
para Geena, mas fez uso do simbolismo que Geena tinha para os seus ouvintes
naquela época. O que simbolizava aquele local literal nas palavras de Jesus?
POLH comenta:
“O portão da cidade [de Jerusalém] que dava para lá tinha o nome de
“porta do esterco”. Ali havia sempre fogo para queimar o lixo, e o lugar era
considerado o mais repugnante do mundo. Desde o século II a. C., o nome era
usado para indicar o lugar de perdição escatológico. Marcos explica o termo aos
seus leitores com o acréscimo “onde o fogo não se apaga”. – POHL, Adolf.
Evangelho de Marcos. Comentário Esperança. Página 287. Editora Evangélica
Esperança. Curitiba, PR. 1998.
Conforme POHL, a Geena era considerada o local mais repugnante do mundo
e dois séculos antes de Jesus passou a indicar o lugar de perdição
escatológico. E quando Jesus e Marcos [ou se Marcos, por inspiração, faz o
acréscimo às palavras de Jesus] fazem uso da expressão “onde o fogo não se
apaga”, não seria apenas uma ameaça de destruição ao corpo, no sentido literal.
Sabemos disso porque Jesus, num outro texto, fala aos fariseus:
Mateus 10:28 – “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a
alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno (1067) tanto a
alma como o corpo.”
Lucas 12:5 – “Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele
que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno (1067). Sim, digo-vos, a
esse deveis temer.”
Conforme percebemos, corpo e alma são tratados separadamente aqui. Por
que? Primeiro, porque a Bíblia, no Antigo Testamento faz essa distinção.
Fala-se de Raquel que sua alma saiu, ao morrer. (Gênesis 35:18). Elias orou
para que a alma da criança morta voltasse ao corpo. (1 Reis 17:21) Em segundo
lugar, os ouvintes de Jesus não apenas conheciam esses textos, mas compactuavam
com os gregos que a alma era distinta do corpo. Por isso, KEENER comenta:
“Corpo e alma, em algumas tradições judaicas sobre o inferno, seriam
instantaneamente destruídos. Em outras seriam perpetuamente destruídos e
atormentados. Contrariando as afirmações de muitos estudiosos modernos,
inúmeros judeus concordaram com os gregos em que a alma e o corpo se separam
após a morte.” – KEENER, Craig S. Comentário Bíblico Atos. Novo Testamento.
Página 76. Editora Atos. Belo Horizonte – MG. 2004.
Assim, em Mateus 10:28, alma significa espírito (toda a parte não física
do homem) nesse texto, oposto ao corpo (toda a parte física do homem). Gruden
afirma:
“Aqui a palavra alma claramente se refere à parte da pessoa que persiste
à morte do corpo. Não pode significar “pessoa” ou “vida”, pois não faria
sentido falar daqueles que “matam o corpo mas não podem matar a pessoa”, ou que
“matam o corpo mas não podem matar a vida”, a menos que haja algum aspecto da
pessoa que continue vivo depois da morte do corpo. [...] A palavra “alma”
parece representar toda a parte não física do homem.” – GRUDEN, Wayne. Teologia
Sistemática. Atual e Exaustiva. Página 390. Editora Vida Nova. 2005.
Então, aqueles ouvintes de Jesus, tanto os do relato de Mateus 10:28
como o de Marcos 9:42 a 50, sabiam que ser a pessoa, tanto o corpo como a alma,
lançada na Geena não significava que eles se tornariam um lixo ou algo para ser
destruído, como se fossem carcaças de animais ou corpos de criminosos. A alma
ir para a Geena indicava uma punição eterna, pois, aos ouvidos dos ali
presentes, a expressão “onde o fogo não se apaga” continha elementos de
eternidade muito mais vívidos do que para nós, leitores modernos, que não
presenciamos mais a Geena e seu fogo literais em atividade.
GEENA E O JULGAMENTO DO TRIBUNAL
Interpretar “Geena” sem considerar outros textos neotestamentários, como
fazem os aniquilacionistas (Testemunhas de Jeová e os Adventistas do Sétimo
Dia, por exemplo) é um erro de exegese. E quando observamos textos usados por
Jesus que relacionam “Geena” com outros vocábulos e expressões relevantes,
torna-se impossível não admitir que Jesus falava de “Geena” como símbolo de
punição e tormento eternos. Observaremos isso nos seguintes textos:
Mateus 5:22, 29, 30 – “Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem
motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um
insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar:
Tolo, estará sujeito ao inferno (1067) de fogo. [...] Se o teu olho direito te
faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos
teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno (1067). E, se a
tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se
perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno (1067).”
Conforme já vimos, a alma poder ser lançada na “Geena” torna o
entendimento desse local como símbolo de algo mais terrível do que uma
compreensão meramente literal poderia indicar. No texto acima, fala-se de um
julgamento em três níveis:
(1) “sujeito a julgamento (no grego, “krisis”, referindo-se a tribunais
menores, geralmente compostos por sete Juízes);
(2) “sujeito a julgamento do tribunal” (no grego Synédrion, referindo-se
ao Grande Sinédrio com sede em Jerusalém);
(3) “todo o teu corpo para “a Geena”. Há algo interessante aqui: Tanto
os tribunais como o Sinédrio poderiam condenar a pessoa à morte. CHAMPLIN faz
dois comentários sobre Mateus 5:22 pertinentes:
“Entre os judeus, havia três níveis de culpa, tratados pelos tribunais
próprios e com julgamento próprio. A condenação mais severa era a que
determinava o lançamento do corpo no vale de Hinom ou Geena, porque mostrava a
grande desgraça da pessoa, ilustrando assim a gravidade do crime.” – CHAMPLIN.
R. N.. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. Mateus. Volume
1. Página 311.Editora Hagnos. 2ª. Edição. 2001.
“Estará sujeito a julgamento do tribunal, que significa julgamento do
Sinédrio [...] o conselho supremo judaico, que tinha o poder de vida e morte e
podia infligir a pena de apedrejamento (morte vergonhosa), pois tratava de
casos de heresia e blasfêmia.” – CHAMPLIN. R. N.. O Novo Testamento
Interpretado Versículo Por Versículo. Mateus. Volume 1. Página 311.Editora
Hagnos. 2ª. Edição. 2001.
Para os que ignoram a literatura judaica, óbvio lhes parecerá não haver
nenhuma ideia de punição eterna presente no texto, mas apenas um julgamento
condenatório de morte: ou por apedrejamento, seguido ou não de um enterro
honroso ou de além do apedrejamento, ser o corpo lançado na Geena para ser
destruído. Todavia, como se sabe, Jesus ensinava se adaptando ao conhecimento
do povo, e usava este para levá-los ao correto entendimento de suas palavras.
Isso, de fato, tornava seu ensino maravilhoso, e foi a esta conclusão que os
ouvintes de Jesus, os judeus, chegaram ao final de suas palavras do Sermão do
Monte, as quais englobam Mateus 5:22, 29, 30. (Mateus 7:28) Jesus sabia muito
bem que os judeus criam num Sinédrio Celestial, que iria conferir penas
eternas, conforme alguns mestres judeus. Observe como KEENER aborda isso:
“A literatura do judaísmo descreve o tribunal celeste de Deus como corte
suprema, ou sinédrio, correndo paralela com a corte terrestre. “O fogo do
inferno” é, literalmente, “a Geena de fogo”, que se refere ao conceito judaico
padrão de Gehinnom, o oposto do paraíso. No Gehinnom, os iníquos seriam
queimados (de acordo com alguns mestres judeus) ou para sempre torturados (de
acordo com outros mestres judeus).” – KEENER, Craig S. Comentário Bíblico Atos.
Novo Testamento. Página 58. Editora Atos. Belo Horizonte – MG. 2004.
Por isso, Jesus falava de Geena como símbolo de sofrimento eterno (e
depois o restante do Novo Testamento corroborará isso), tendo em mente o que
sua audiência conhecia sobre o assunto. De fato, a literatura judaica, que
inclui os Apócrifos, falam de um inferno de tormento eterno. Veja alguns
exemplos:
Enoque 54:11, 12 - “Nem o filho de seu pai ou de sua mãe; até que o
número dos corpos de seus mortos sejam completados, pela sua morte e punição.
Nem isto acontecerá sem causa. Naqueles dias a boca do inferno (Geena) será
aberta, na qual eles serão imersos; o inferno destruirá e tragará os pegadores
da face dos eleitos.”
Enoque 62:10-15. - “Naquele dia do nosso sofrimento e da nossa angústia
Ele não nos salvará, nem encontraremos descanso. Confessamos que nosso Senhor é
fiel em todas as Suas obras, em todos os Seus julgamentos e em Sua retidão. Em
Seus julgamentos ele não paga nenhum respeito a pessoas; e nós devemos
apartar-nos de sua presença por causa de nossos maus atos. Todos os nossos
pecados são verdadeiramente sem número. Então eles dirão a si mesmos: Nossas
almas estão saciadas com os instrumentos de crime; Mas que não nos impede de
descer ao ventre flamejante do inferno. Daí em diante seus semblantes se
encherão de escuridão e confusão diante do Filho do homem, de cuja presença
eles serão expulsos e diante do qual a espada permanecerá expelindo-os.”
Judite 16:17 - “Ai das nações que se levantarem contra a minha raça! O
Senhor Todo-Poderoso as punirá no dia do juízo, porá fogo e vermes em suas
carnes, e chorarão de dor eternamente.”
Esses exemplos mostram um local de tormento engolindo pessoas vivas,
conscientes, e com sofrimentos eternos. Os judeus, nos dias de Jesus, criam
assim. Por isso, o uso que Jesus fez de “Geena” não poderia meramente
significar a morte física para eles, mas a morte eterna, com seu sofrimento
eterno. Por isso, lemos em Lucas 12:5, um texto paralelo a Mateus 10:28, o
seguinte:
Lucas 12:5 – “Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele
que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno (1067). Sim, digo-vos, a
esse deveis temer.”
De acordo com esse texto, os ouvintes de Jesus precisavam temer aquele
que, depois de matar, tem poder para lançar pessoas na Geena. No sentido
literal, o Sinédrio tinha esse poder, pois conforme já observamos, julgava
pessoas a essa desgraça para os judeus. Todavia, se é Deus quem tem poder para
lançar na Geena, então muito mais do que mera destruição do corpo está
envolvido aqui. O Sinédrio judaico não podia fazer perecer tanto o corpo como a
alma na Geena (Mateus 10:28), ou seja, depois da ressurreição do juízo (ou
condenação, no grego “krisis”, João 5:29), o Sinédrio não podia lançar o
pecador para a Geena, ou o lugar de punição eterna.
Ainda em outros textos atribuídos a Jesus, por Mateus, podemos notar que
Geena está associada ao julgamento eterno de Deus, o qual está muito presente
no restante do Novo Testamento, nas expressões “serão atormentados de dia e de
noite pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 20:10), e nos usos da palavra
grega “Hades” (correspondente ao Xeol no hebraico) quando ela significa lugar
de fogo eterno (Lucas 16:23), por exemplo. Vejamos, então, outros três desses
textos em que ocorre “Geena”:
Mateus 18:9 – “Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o e lança-o
fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos do que, tendo
dois, seres lançado no inferno (1067) de fogo.”
Mateus 23:15 – “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque
rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais
filho do inferno (1067) duas vezes mais do que vós!
Mateus 23:33 – “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da
condenação do inferno (1067).”
Esses textos falam do julgamento que os escribas e fariseus receberiam.
Mas receberiam de quem? Do Sinédrio? Dificilmente, pois os escribas e fariseus
eram comparsas do Sinédrio, principalmente quando o assunto se tratava Jesus.
Portanto, esse julgamento viria do mesmo Deus que tem poder para lhes dar
julgamento e condenação eternos. (Lucas 12:5) Disso eles não poderiam escapar.
Como essas palavras vieram de Jesus, ele sabia que tais condenados jamais se
arrependeriam de suas obras iníquas. Portanto, Jesus falava de um julgamento
futuro, pior do que o conferido pelo Sinédrio, quanto à intensidade e à
duração. Daí, Jesus referir-se a alguns gentios convertidos ao judaísmo
legalista, que se tornavam filhos da Geena, ou seja, uma forma hebraica de
dizer que eles pertenciam a Geena, símbolo da punição eterna.
Após considerar de forma sucinta os usos de “Geena” feitos por Jesus,
resta apenas comentar a única vez que este vocábulo é usado por uma outra
pessoa que não seja Jesus, nos evangelhos de Mateus, Marcos e João. Trata-se de
Tiago, meio-irmão de Jesus.
Tiago 3:6 – “Ora, a língua é fogo; é mundo de iniquidade; a língua está
situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só
põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela
mesma em chamas pelo inferno (1067).”
Ser a língua lançada na Geena parece ser uma figura de linguagem, a qual
conhecemos hoje como metonímia, usada para designar a parte pelo todo. Não é
apenas a língua que vai a Geena, mas a pessoa toda contaminada por ela. Tal
contaminação é moral, não física. Isso subentende que a Geena aqui também tem
seu caráter condenatório moral e, por isso, não pode ser entendida
literalmente, mas figurativamente. Não pode também figurar a morte da pessoa
como todos morrem naturalmente, pois até os salvos morrem. Também não figura a
morte eterna, pois Tiago faz uso de Geena de acordo com todo o contexto judaico
aqui considerado.
ANÁLISE FINAL DO TEXTO DE MARCOS
9:42-50
Tudo o que foi aqui apresentado sobre “Geena” visou provar que Jesus, no
texto de Marcos 9:42-50, usou “Geena” com o significado de tormento eterno.
Nesses versículos, aos que causam tropeço a outros seria melhor lhes seria que
uma grande pedra lhes fosse pendurada no pescoço para que fossem jogados ao
mar. O que isso significava? Morte terrível. Observe o que se disse sobre esse
tipo de morte:
“O povo judeu considerava essa punição como a terrível sorte que os
pagãos poderiam sofrer. Assim, a imagem era ainda mais assustadora. A morte sem
funeral (incluindo a morte no mar) era considerada como o pior tipo de morte.”
– KEENER, Craig S. Comentário Bíblico Atos. Novo Testamento. Página 167.
Editora Atos. Belo Horizonte – MG. 2004.
Também, a Geena como símbolo de sofrimento eterno é o destino dos não
salvos que certamente permitirão que algo em suas vidas, retratado aqui por
alguma parte do corpo, impeça-os de entrarem na vida eterna. Assim, da terrível
morte na água, passa-se para a terrível morte no fogo. Não estariam contidos
nessas palavras de Jesus os dois meios pelos quais – água e fogo - Deus usa
para punir o mundo iníquo e condenar seus mortos ao sofrimento eterno -
primeiro com o dilúvio nos dias de Noé e, futuramente, com o fogo? - 2 Pedro
3:7-13.
Ademais, vê-se a expressão “onde não lhes morre o verme nem o fogo se
apaga”. Na Geena literal, isso realmente acontecia, pois o monturo era mantido
aceso e os vermes proliferavam constantemente, devido à imundície do local. Por
que Jesus teria enfatizado essas expressões, três vezes (embora esteja apenas
uma única vez na maioria dos manuscritos mais antigos)? Para mostrar a
abominação do local e dos que para lá forem. Sobre isso, HENDRIKSEN comenta:
“Ora, ao adicionar essas diversas idéias representadas por Gê-Hinnôm – a
saber, o fogo que está sempre em combustão, a perversidade, a abominação, o
juízo divino, a matança – é possível facilmente perceber que esse Gê-Hinnôn se
converteu em símbolo da eterna habitação dos maus, a saber: o inferno.
Gê-Hinnôm transformou-se (em grego) em Gehenna, lugar de tormento sem fim.” –
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. Lucas. Volume 2. Página
168. Editora Cultura Cristã. 2003.
A Geena, portanto, é lugar para perdidos, para seus corpos e suas almas.
(Lucas 12:5) É interessante notar no texto que o versículo 43 fala do pecador
ir para a Geena e no versículo 45 fala dele sendo lançado ali. Esse contraste
ilustra o simbolismo de Geena, que se encaixa muito bem com Mateus 25:46,
quando Jesus se refere aos que irão para o castigo eterno. Sobre isso, LENSKI
firmou:
“No versículo 43, “ires” para a Geena retrata a ação do próprio pecador;
Ele, literalmente, pelo seu próprio modo de agir, vai para o inferno. Mas no
versículo 45, “ser lançado” na Geena retrata o divino julgamento sobre o
pecador, quando os anjos de Cristo, ao seu comando, confiná-lo ao inferno.”-
LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. Mark´s Gospel (A Interpretação do
Evangelho de São Marcos). Paginas 407, 408. TheWartburg Press. Columbus. Ohio.
EUA. 1946.
Portanto, os que vão para o sofrimento eterno têm uma característica em
comum: O tropeço. Fazem outros tropeçarem e tropeçam e si mesmos. Isso amplia
ainda mais o terrível significado simbólico atribuído à Geena: Um lugar de
tormento eterno, repleto de pessoas sem caráter, separadas para sempre do
caráter de Deus.
CONCLUSÃO
Neste texto, analisou-se a palavra “Geena” de acordo com a perspectiva
judaica, conforme os judeus podiam compreender as palavras de Jesus. Evidentemente,
a Geena literal foi usada como um símbolo de punição e tormento eternos. Além
de “Geena”, outros termos como “xeol”, “hades”, “lago de fogo e enxofre”, e
expressões como “choro e ranger de dentes”, “serão atormentados dia e noite”
poderiam ser usadas para provar como Bíblica a doutrina das penas eternas.
Todavia, focou-se apenas a palavra Geena no contexto de Marcos 9:42 a 48.
Para os perdidos, essa interpretação solidamente baseada nas Escrituras
e nas provas citadas, significará a eterna separação de Deus, o que conhecemos
como morte eterna, ou segunda morte. (Apocalipse 20:14; 21:8) Para os salvos,
sermos alvo da graça e do amor de Deus, que nos chamou “das trevas para sua
maravilhosa luz”. (1 Pedro 2:9) E esse conhecimento sobre a Geena nos deve
motivar a nos apresentar a Deus como povo que busca os que hão de ser salvos
desse terrível lugar, através do evangelismo. – Fernando Galli.